Tratamento da Depressão com Cetamina Matéria VEJA

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[vc_row][vc_column][vc_column_text]Para quem perdeu, segue a transcrição da matéria da VEJA de 14 de setembro de 2016 sobre o tratamento da depressão com risco de suicídio com cetamina e escetamina:

O RESGATE DA ESPERANÇA

Estudos com um novo medicamento contra a depressão severa abrem uma janela para o tratamento de casos da doença com risco iminente de suicídio NATALIA CUMINALE

“Não teria feito a menor diferença se ela tivesse me dado uma passagem para a Europa ou um cruzeiro ao redor do mundo, porque onde quer que eu estivesse – fosse o convés de um navio, um café parisiense ou Bangcoc – estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado”. Assim, linda e tristemente, a poeta americana Sylvia Plath descreveu o sofrimento da depressão no romance A Redoma de Vidro. A obra foi inspirada em um episódio ocorrido no verão de 1952, quando ela tentou o suicídio. Com depressão severa, Sylvia atingiria seu derradeiro objetivo onze anos depois, aos 30 anos de idade. Pôs a cabeça dentro do forno doméstico e ligou o gás, enquanto as crianças dormiam. Agora, pela primeira vez, surge uma esperança concreta de que os suicidas possam ter destino menos trágico.

A FDA, a agência, americana que regula medicamentos e alimentos, classificou uma substância chamada escetamina como “terapia inovadora” no tratamento de depressão aguda associada ao suicídio. Há um mês, a fabricante do fármaco, a belga Janssen, divulgou um comunicado em que, literalmente, dizia o seguinte: A FDA concedeu designação de terapia inovadora à escetamina, uma medicação antidepressiva em investigação, para a indicação de depressão com risco iminente de suicídio”. Com a aprovação, prevista para 2017, esse pode ser o primeiro remédio a servir de freio à decisão de pôr fim à própria vida.
A escetamina tem uma característica que a difere de todas as outras drogas existentes para o combate à depressão: age no organismo já a partir de quatro horas. Os antidepressivos atuais só mostram resultados depois de três ou quatro semanas de consumo regular e continuado. A pronta ação da escetamina é que a torna adequada para proteger o suicida de si mesmo. A rapidez com que o composto resgata o depressivo do afogamento psicológico decorre da forma como age no cérebro. A escetamina regula as taxas cerebrais de um dos neurotransmissores mais importantes no estimulo ao suicídio – o glutamato, que responde pela ação excitatória sobre o cérebro. Na realidade, há uma gama de neurotransmissores que se combinam para criar um ambiente cerebral propicio ao suicídio, como os que estão associados à regulação das emoções, do comportamento e do humor. Mas poucos neurotransmissores, até onde a ciência sabe, exercem um papel tão central quanto o glutamato. E é sobre ele que age a escetamina, enquanto os medicamentos disponíveis hoje para a depressão agem sobre outras moléculas. Além de ir direto ao alvo, no que concerne ao suicídio, a escetamina tem a vantagem da ação rápida.
Uma vez aprovado e disponível ao público, o tratamento com a escetamina deverá consistir na aspiração do composto duas vezes por semana. Um rigoroso estudo de seu funcionamento, apresentado durante o Congresso da Sociedade de Psiquiatria Biológica, em Atlanta, nos Estados Unidos, mostrou que 365 dos pacientes frearam a perspectiva de suicídio quatro horas depois de inalar a substancia e 49% deles experimentaram o mesmo efeito 24 horas depois de inalar a mesma dose. Não há resultado equivalente com outros tratamentos.

A escetamina foi criada a partir de uma substância anestésica utilizada na década de 60 para atender soldados americanos feridos durante a Guerra do Vietnã – a cetamina. O conhecimento sobre seu potencial para combater a depressão, porém, começou a ser amplamente estudado apenas nos últimos cinco anos. Atualmente, clínicas e universidades ao redor do mundo fazem uso off-label(fora do rótulo, em tradução livre) do composto, na forma injetável. Ou seja, pacientes que não respondem aos tratamentos atuais tornam-se candidatos a se beneficiar das infusões. O médico Ivan Barenboim, psiquiatra da Clínica Ohr, em São Paulo, é um dos profissionais que fazem esse uso. Desde o ano passado, Barenboim já realizou mais de 200 infusões em seus pacientes. A bancária Eliane Pires, que ilustra esta reportagem, é uma delas. Vítima de depressão, Eliane tentou se matar aos 41 anos, consumindo 100 comprimidos de antidepressivos e ansiolíticos de uma só vez. “ A vontade de não querer viver era constante para mim”, diz. “Eu simplesmente queria sumir”. Tais pensamentos desapareceram após o início do tratamento com as infusões de cetamina. A escetamina, no entanto, como spray nasal, tende a ser ainda mais promissora. O paciente com depressão é um dos mais refratários a tratamentos, e a facilidade na administração pode facilitar a adesão à terapia.
A cada quarenta segundos uma pessoa se mata no mundo. São 800 000 casos fatais por ano. No Brasil, de acordo com as estatísticas oficiais (com vasta subnotificação de acordo com os especialistas), 32 homens e mulheres tiram a própria vida diariamente. É uma taxa superior à das vítimas da aids e à das mortes decorrentes da maior parte dos tipos de câncer. Pelo menos a metade dos suicídios, segundo indicam estudos médico-comportamentais, resulta de depressão severa – embora nem todo suicídio seja uma resposta à depressão e nem toda depressão termine em suicídio. O ato de matar a si mesmo não é consequência, necessariamente, de disfunção química ou transtorno psicológico. Ainda é insondável o atalho que leva alguém ao suicídio, que, como dizia o genial escritor franco-argelino Albert Camus, vem a ser “a única questão filosófica verdadeiramente importante”. Mas a ciência tenta encontrar explicação. Disse a VEJA o psiquiatra Rodrigo Machado Vieira, diretor da clínica de pesquisa em transtornos do humor do Instituo Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIH): “Até dez anos atrás, pouco se conhecia sobre as alterações químicas no cérebro de indivíduos com tendências ao suicídio”. De lá para cá, houve avanços, como o uso de antidepressivos para tratar o problema – todos com efeito lento e indireto, porem. Além disso, o alvo primordial das drogas sempre foi a depressão em si – e não a sua consequência mais dramática.
Os desafios impostos à medicina para o controle da depressão severa, esse gigante escuro que nos invade, são enormes. Não se sabe até o momento, a origem biológica do problema. Os mecanismos que fazem com que uma pessoa tente dar fim à própria vida são ainda mais complexos e obscuros. Entre os depressivos, o risco de morrer por suicídio é de até 25 vezes maior que o da população em geral. A tendência é resultado de uma interação entre predisposição genética e fatores sociais, culturais e ambientais. Sabe-se, no entanto, que há uma carga biológica de vulnerabilidade ao suicídio, com alterações genéticas e hereditárias. Crianças que passaram por abuso físico ou emocional durante a infância também estão mais propensas ao suicídio na vida adulta. A avaliação do risco é feita por meio por meio de uma série de indicadores indiretos. O médico investiga se o paciente já tentou suicídio alguma vez (o risco da segunda tentativa é sempre alto), se tem pensamentos e planos suicidas ou se há história de casos na família. Talvez a investigação mais decisiva seja com as pessoas mais próximas do paciente. Alerta o psiquiatra Humberto Correa, presidente da Associação Latino-Americana de Suicidologia e professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais: “Os suicidas, em sua maioria, verbalizam o desejo de se matar. É um mito a ideia de que quem quer se suicidar não fala sobre isso”. Não há espaço para blefes numa decisão tão profundamente delicada, cujos mistérios ainda pedem investigação.
Acesse a reportagem original no acervo digital da revista no seguinte link: https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/39325?page=90&section=1

 

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