Transcrição da reportagem do Jornal do Brasil do dia 2 de julho de 2016 no Caderno de Ciência e Tecnologia:
A depressão atinge 350 milhões de pessoas no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Embora existam diversos tipos de tratamento, muitas pessoas não reagem bem aos antidepressivos tradicionalmente recomendados. Estudos recentes, porém, devem começar a mudar esse quadro, mostrando que a cetamina (também chamada ketamina), substância usada há cerca de 60 anos na medicina como anestésico, tem efeito rápido e eficiente sobre a enfermidade.
De acordo com o Dr. Ivan Barenboim, psiquiatra da Clínica Ohr, diferentemente dos antidepressivos convencionais, que em geral começam a fazer efeito em semanas ou meses, a cetamina pode dar resultados em alguns dias ou mesmo horas. Além disso, ela não gera insuficiência respiratória, dispensando a necessidade de respiração artificial, e tampouco efeitos colaterais em longo prazo. “A cetamina pode ser a única saída para pessoas que não respondem aos remédios tradicionais ou para casos urgentes, como os que envolvem risco de suicídio ou uma provável internação”, explica o médico.
Para tratar a depressão, a cetamina é ministrada em dosagens baixas (0,5 mg/kg) por infusões endovenosas que duram cerca de 40 minutos. Apenas durante a aplicação alguns efeitos colaterais podem ser sentidos, como náuseas, sonolência e, em certos casos, sintomas dissociativos – alterações na percepção. “Se depois de duas ou três sessões opaciente não responder, isso significa que a substância não foi efetiva para o seu caso. Se funcionar, é recomendado continuar o tratamento”.
Segundo Barenboim, a contraindicação é apenas para pessoas com histórico de problemas cardíacos graves, pois a cetamina pode acarretar aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Em caso de suspeita, pede-se ao paciente um teste ergométrico antes da aplicação da substância.
Por enquanto, o tratamento da depressão com a cetamina não é aprovado pelo FDA (Federal Drug Administration), o que, conforme o psiquiatra, não significa que não possa ser realizado. “Nesse caso, o uso é offlabel, ou seja, para um fim não previsto em bula, o que é muito comum na medicina. A cetamina já é usada dessa forma como analgésico, por exemplo”.
Luz no fim do túnel
Eliane Pires, bancária, teve uma forte crise de depressão em 2006 e precisou se afastar do trabalho. Sua ansiedade foi piorando pouco a pouco e, três anos depois, começaram a surgir problemas físicos. “Estava em uma situação deplorável. Foi quando tentei o suicídio; tomei 100 comprimidos”, conta. Ela ficou em coma por dois dias, mas saiu do estado sem sequelas.
Depois do susto, Eliane voltou ao trabalho e tentou se readaptar, mas não conseguiu. Assim, ficou internada em uma clínica, onde teve contato com o Dr. Ivan Barenboim, que apresentou o tratamento com cetamina.
Mais tarde, em 2015, Eliane aceitou fazer as infusões com o psiquiatra; foram oito no total. “No mesmo dia da primeira sessão já senti efeitos. Em casa, tive uma discussão com a minha filha, que sempre me deixava muito mal, mas demonstrei equilíbrio”, lembra ela. Hoje, aposentada, ela diz que se sente mais otimista, centrada e mais capaz de tomar decisões. “Isso precisa ser mais difundido. Desejo que outras pessoas tenham a chance de melhorar como eu”.
Como funciona
O Dr. Ivan Barenboim explica que a cetamina age de forma diferente dos remédios convencionais. Enquanto estes últimos inibem a recaptação de monoaminas, como a noradrenalina e a serotonina, aumentando a sua disponibilidade nas sinapses, a cetamina atinge o sistema glutamatérgico, principal sistema de neurotransmissão do cérebro. Ela promove alterações na expressão gênica, elevando rapidamente a produção de neurotrofinas, responsáveis pela regeneração das sinapses cerebrais.
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