Os Traumas Psicológicos
Os traumas psicológicos podem afetar a vida de uma pessoa de maneira muito profunda. A maneira mais óbvia é que eles podem servir como gatilhos para início de depressão, ansiedade generalizada, transtorno bipolar, dependência química e, claro, transtorno do estresse pós traumático(TEPT). Este último é caracterizado por sintomas depressivos e ansiosos associados a intensas revivescências de um evento traumático no qual o indivíduo se sentiu ameaçado de morte e/ou impotente.
Mesmo para quem não chega a desenvolver estes transtornos psiquiátricos, os traumas podem afetar negativamente a auto-estima, os relacionamentos amorosos e interpessoais bem como gerar instabilidade emocional. Mais especificamente, os traumas de infância.
Traumas psicológicos podem ser definidos como a memória de um evento negativo que aconteceu no passado recente ou remoto, que afeta de maneira intensa, negativa e muitas vezes inconsciente as atitudes e escolhas dos indivíduos. Isso acontece porque as intensas emoções vividas durante o evento traumático são reativadas de maneira inconsciente, espontaneamente ou em resposta a um gatilho.
Algumas pessoas sofrem eventos traumáticos e não desenvolvem nenhum destes problemas. Isso ocorre porque, por algum motivo, elas conseguiram processar todas estas memórias e emoções e transformar todo o evento em memória declarativa, ou seja, na memória dos acontecimentos de nossas vidas. Para elas, é possível manter um distanciamento emocional do evento enquanto para quem desenvolveu um trauma este distanciamento parece impossível.
Introdução a EMDR
Em 1987, a Francine Shapiro descobriu ocasionalmente uma técnica que permite que estas memórias de eventos traumáticos sejam processadas e transformadas em memória declarativa: EMDR( sigla em inglês que significa Dessenssibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares). Passados 30 anos, evidências científicas de qualidade, incluindo ensaios controlados com outras intervenções de psicoterapia, comprovaram a eficácia do método para o tratamento de diversos tipos de traumas como os relacionados com abuso sexual, abuso físico, abuso psicológico, violência urbana e até traumas de guerra. Apesar disso, infelizmente, esta técnica ainda é pouco conhecida e bem pouco utilizada.
De alguma maneira os estímulos bilaterais, rotineiramente feitos através de movimentos oculares, associados a imaginação do evento traumático e outras intervenções são capazes de ajudar a mente do paciente a processar estes traumas transformando-os apenas em uma parte desagradável da biografia do indivíduo.
Possível mecanismo de ação da EMDR
O mecanismo de ação não está claro, mas é possível que estejamos apenas ativando um processo de cura natural da mente humana. Esta hipótese é consistente com a eficácia impressionante e rápida do tratamento bem como com os movimentos oculares que fazemos enquanto estamos no sono REM(sigla em inglês para movimentos oculares rápidos). O sono REM é conhecido como a fase do sono em que sonhamos. Muitas escolas de psicologia, principalmente a psicanálise Freudiana e a Jungiana, usam os sonhos como uma porta de acesso ao inconsciente. Sendo assim, talvez, uma das funções dos sonhos e do sono REM seja o processamento de traumas, Nesse sentido, a EMDR pode ser uma maneira de ativar este processo enquanto estamos acordados e sob o nosso controle.
Se o mecanismo de ação é complexo e misterioso, a eficácia e a simplicidade da técnica não são. Sobre a eficácia, já esclareci que ela é fundamentada cientificamente de maneira robusta por meio de estudos clínicos bem feitos. Vamos então a breve descrição da técnica.
A técnica
A pessoa deve imaginar o trauma, atribuir uma cognição e uma emoção negativos a ele e unir tudo isso enquanto são feitos os estímulos bilaterais, preferencialmente por meio da movimentação ocular. Esta técnica permite que a pessoa tenha acesso a memórias, emoções e pensamentos relacionados ao trauma que ela não conseguiria atingir por meio de uma terapia baseada na fala. Com isso, a maneira como a pessoa vê o evento traumático bem como o efeito deste no indivíduo começa a mudar. Se tudo der certo, após algumas sessões, aquele trauma já não afetará mais as escolhas e atitudes do indivíduo. O número de sessões depende de uma série de fatores: a intensidade dos traumas, a quantidade de traumas, a resistência ao tratamento, o ritmo de processamento do trauma e outros. No entanto, em média, 12 sessões costumam ser suficientes para processar um trauma grave. Isso significa que esta técnica é capaz de resolver alguns problemas que outras técnicas e linhas de psicoterapia não conseguem em anos.
Conclusão
Na minha opinião, esta é uma grande ferramenta da psicologia e da psiquiatria que deveria ser mais utilizada. Acredito que se Freud ou Jung tivessem tido a oportunidade, eles a teriam usado com grande entusiasmo. Afinal, esta técnica permite o rápido processamento emocional do material inconsciente, justamente um dos principais objetivos da psicanálise.
No consultório, é bem frequente as pessoas relatarem que fizeram anos de psicanálise e que, com isso, entendem melhor como elas se comportam e por que estão naquela situação. Todavia, muitas vezes, elas sentem que não conseguem mudar o comportamento apesar de toda esta compreensão. Uma das razões para isso é que estas pessoas apenas tiveram um “insight” a nível racional, mas não conseguiram ainda “internalizá-lo”. Para isso é necessário o acesso ao nível emocional.
A EMDR é uma janela pela qual é possível ter acesso direto a este nível emocional. Dessa maneira, ela é capaz de causar o rápido processamento dos traumas integrando o evento traumático ao resto da consciência e biografia do indivíduo ao invés de deixá-lo nos recessos mais profundos do inconsciente. Com isso, finalmente, o evento traumático deixa de ser um fantasma e passa a ser apenas uma memória.
Uma outra janela pela qual podemos acessar e reprogramar o subconsciente é a hipnose clínica. Muitas vezes, esta tem efeito ainda mais rápido do que a EMDR e ainda otimiza o seu efeito. Por conta disso, atualmente, tenho utilizado a EMDR como uma das ferramentas importantes da sessão de hipnoterapia. Saiba mais sobre hipnose clínica, lendo este post.